Auxiliar ou Técnico? Entenda como o acúmulo de função prejudica profissionais da saúde — e o que a Justiça tem decidido
Realizar procedimentos complexos, assumir maior responsabilidade e continuar recebendo como se fossem tarefas básicas? Veja quando isso é acúmulo de função na enfermagem, quais são seus direitos e como agir.
O que é acúmulo de função — e por que ele acontece
Acúmulo de função ocorre quando a pessoa é contratada para uma função, mas, na prática, passa a desempenhar também atividades de outro cargo sem a devida compensação salarial. Na saúde, isso aparece com frequência quando auxiliares executam tarefas típicas de técnicos ou até funções de enfermeiro.
- Equipes enxutas e alta demanda: instituições sobrecarregadas normalizam a “ajuda” além do cargo.
- Desconhecimento: profissionais e gestores confundem colaboração com alteração estrutural de função.
- Falta de registro: sem evidências do dia a dia, o problema fica invisível — até para o próprio trabalhador.
O que diz a Lei 7.498/86 e como isso se aplica à enfermagem
A Lei nº 7.498/86 diferencia claramente as atividades de cada categoria:
- Técnico de enfermagem: suporte direto ao enfermeiro, executa procedimentos assistenciais, administra medicamentos, realiza curativos complexos e monitoramento.
- Auxiliar de enfermagem: atua em tarefas de higiene, conforto e cuidados básicos ao paciente.
Quando o auxiliar passa a executar rotineiramente tarefas de maior complexidade (típicas de técnico), há diferença funcional que pode gerar adicional por acúmulo.
Como a Justiça tem decidido: critérios e percentuais
Os Tribunais do Trabalho têm reconhecido o acúmulo quando há provas de que as tarefas excedem o contrato e implicam maior complexidade, risco e responsabilidade. O adicional varia conforme o caso — comumente entre 15% a 30% do salário-base —, e os valores repercutem em férias, 13º, aviso-prévio e FGTS.
- Habitualidade na execução das tarefas superiores a função contratada;
- Complexidade técnica das atividades executadas;
- Provas documentais e testemunhais que demonstrem a prática.
Checklist: 7 sinais práticos de acúmulo de função
- Voce aplica medicamentos ou realiza procedimentos invasivos sem ser tecnico e sem supervisão?
- Executa curativos complexos ou monitoramento que exigem formação específica?
- Responde por atividades de maior risco ou responsabilidade sem reajuste salarial?
- Treina colegas, coordena rotinas ou assina documentos típicos de cargos superiores?
- Seu dia a dia real é diferente do que está no contrato/CTPS?
- Faz “dupla função”: assistência + tarefas administrativas relevantes?
- Recebe menos do que colegas que fazem as mesmas atividades que você realiza?
Se marcou “sim” em duas ou mais, há indícios suficientes para avaliar juridicamente.
Como reunir provas e fortalecer seu caso
- Escalas e plantões: guarde as escalas e alterações, anote funções desempenhadas.
- Relatórios: registre atividades técnicas realizadas (sem violar sigilo).
- Mensagens e e-mails: ordens de superiores delegando tarefas de técnico são valiosas.
- Testemunhas: colegas e líderes que confirmem as tarefas de maior complexidade.
- Descrição de cargos: compare o que está no contrato com o que você efetivamente faz.
Fale com um advogado especialista em Direito do Trabalho de sua confiança para saber se você tem direito.
Passo a passo para buscar seus direitos
- Diagnóstico: liste atividades reais e compare com o cargo formal.
- Organize o dossiê: junte escalas, mensagens e testemunhas.
- Calcule um adicional possível (ex.: 15% a 30%) e reflexos.
- Negocie ajustes administrativos quando possível.
- Ação judicial: peça reconhecimento do acúmulo e reflexos.
Exemplo real: o reconhecimento judicial do acúmulo de função em favor de uma profissional da saúde
Em um caso recente acompanhado pela equipe do Munhoz Associados, uma profissional contratada como auxiliar de enfermagem buscou a Justiça após anos exercendo tarefas que, na prática, eram típicas de um técnico de enfermagem — sem qualquer ajuste em sua remuneração.
Durante o processo, ficou comprovado que, além das funções de higiene e conforto previstas em seu cargo, a trabalhadora executava procedimentos assistenciais mais complexos, como administração de medicamentos, controle de sinais vitais e suporte direto a enfermeiros durante atendimentos clínicos. Segundo a Lei nº 7.498/86, essas atividades pertencem ao escopo do técnico de enfermagem, configurando diferença funcional.
O juízo da 9ª Vara do Trabalho de Guarulhos (SP) reconheceu que as tarefas desempenhadas extrapolavam as atribuições originais do contrato, configurando acúmulo de função. A decisão determinou o pagamento de um adicional de 15% sobre o salário-base, com reflexos em férias, 13º salário, aviso-prévio e FGTS — garantindo que o trabalho efetivamente prestado fosse reconhecido de forma justa.
“Esse tipo de decisão mostra que o Judiciário tem compreendido a realidade das instituições de saúde, onde é comum a sobreposição de funções. A profissional não pediu nada além do que era seu por direito — apenas o reconhecimento de que realizava atividades de maior responsabilidade e complexidade. E a Justiça confirmou isso.” — Ana Paula Munhoz, advogada trabalhista e sócia do Munhoz Associados.
A advogada destaca ainda que o resultado só foi possível porque houve documentação consistente da rotina de trabalho — fator decisivo para o êxito do processo:
“Foram analisados relatórios de plantões, escalas, depoimentos de colegas e descrições das tarefas diárias. A prova mostrou que a auxiliar assumia procedimentos típicos de técnico. Com base nisso, o juiz reconheceu o direito ao adicional. É uma mensagem clara: cumprir mais do que o previsto em contrato deve vir acompanhado do devido reconhecimento.”
Mais do que um precedente jurídico, esse caso reforça um ponto essencial: o acúmulo de função não é um favor prestado ao empregador — é uma distorção que precisa ser corrigida. Quando a Justiça reconhece isso, não apenas corrige a desigualdade salarial, mas também contribui para valorizar a profissão e fortalecer o respeito entre as categorias da enfermagem.
Para outros profissionais da área, o exemplo serve como alerta: se as tarefas do dia a dia envolvem responsabilidades técnicas e assistenciais que vão além do cargo formal, vale investigar se há acúmulo funcional — e buscar orientação com um advogado especializado pode ser o primeiro passo para regularizar a situação.
Observação: o exemplo acima é apresentado com finalidade educativa e não substitui análise individualizada do caso concreto.
Impactos no bolso
Com salário-base de R$ 2.800,00 e adicional reconhecido de 15%:
- Adicional mensal: R$ 420,00
- Em 24 meses: R$ 10.080,00
- Reflexos: férias, 13º, FGTS e aviso-prévio — valores podem dobrar.
Fale com um advogado especialista em Direito do Trabalho de sua confiança para saber se você tem direito.
FAQ rápido
Fazer “um pouco” de tarefa de técnico já configura acúmulo?
O ponto-chave é a habitualidade e a relevância das tarefas. Atos pontuais de colaboração não bastam.
Preciso ter curso técnico para receber como técnico?
O foco do acúmulo está nas tarefas executadas e na responsabilidade assumida. Exercendo funções de maior complexidade de forma habitual, surge a diferença funcional.
O adicional tem percentual fixo?
Não. Os tribunais aplicam faixas (ex.: 15%–30%), conforme provas e peculiaridades.
Por quanto tempo posso cobrar?
Em geral, aplicam-se prazos prescricionais trabalhistas (bienal/quinquenal).
Conclusão e próximos passos
O acúmulo de função é uma questão de valorização profissional e justiça. Se você executa tarefas de maior complexidade do que seu cargo prevê, reúna provas e busque orientação técnica.
Próximo passo: Toque no botão abaixo e fale com um advogado especialista em Direito do Trabalho de sua confiança para saber se você tem direito.