A Força Probatória da CTPS no Direito Previdenciário: A Proteção do Segurado Diante da Omissão Contributiva do Empregador

A Força Probatória da CTPS no Direito Previdenciário: A Proteção do Segurado Diante da Omissão Contributiva do Empregador

A Força Probatória da CTPS no Direito Previdenciário: A Proteção do Segurado Diante da Omissão Contributiva do Empregador

É cada vez mais comum nos depararmos com o indeferimento de benefícios previdenciários, especialmente aposentadorias, sob o argumento de “falta de tempo de contribuição” ou “carência insuficiente”. Contudo, uma análise mais aprofundada revela que, em muitos desses casos, o segurado efetivamente trabalhou, mas seu empregador deixou de cumprir a obrigação de recolher as contribuições previdenciárias. Surge, então, um conflito central: pode o trabalhador ser penalizado pela inércia de terceiros? A resposta, amparada pela legislação e consolidada na jurisprudência, é um sonoro não.

  1. A Responsabilidade Exclusiva do Empregador pelo Recolhimento

A legislação previdenciária é inequívoca ao delimitar as responsabilidades de cada parte na relação contributiva. O artigo 30, inciso I, da Lei nº 8.212/91, estabelece que a empresa tem o dever de arrecadar as contribuições dos segurados empregados, descontando-as de sua remuneração, e repassar os valores ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Trata-se de uma obrigação legal imposta ao empregador, que atua como um substituto tributário. Ao INSS, por sua vez, compete o poder-dever de fiscalizar e cobrar esses valores. Em nenhuma hipótese essa responsabilidade é transferida ao empregado. Penalizar o trabalhador pela ausência de um recolhimento que ele não tinha o dever de fazer ou fiscalizar seria subverter toda a lógica do sistema de proteção social.

  1. A Presunção de Veracidade da Carteira de Trabalho (CTPS)

Diante da falha do empregador e da consequente lacuna no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) emerge como o principal instrumento de prova do segurado. As anotações de contrato de trabalho em uma CTPS formalmente em ordem — sem rasuras, em ordem cronológica e com dados consistentes — gozam de presunção de veracidade iuris tantum (relativa).

Isso significa que os registros são considerados verdadeiros até que o INSS apresente prova robusta e inequívoca em sentido contrário. O ônus de desconstituir a validade da anotação é da autarquia, e não do segurado.

Esse entendimento está pacificado nos tribunais, sendo materializado na Súmula 75 da Turma Nacional de Uniformização (TNU):

“A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em relação à qual não se aponta defeito formal que lhe infirme a presunção de veracidade goza de presunção relativa de veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que a anotação de vínculo de emprego não conste no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).”

Decisões de Tribunais Regionais Federais seguem a mesma linha, reforçando que a omissão do empregador não pode prejudicar o direito do empregado. O TRF-2, por exemplo, já decidiu que “não cabe ao empregado averiguar se o empregador recolheu ou não a exação e que não pode ser penalizado por seu inadimplemento nem pela omissão do INSS no dever de fiscalizar” (AC 00557907220154025101).

Até mesmo na esfera administrativa, o Enunciado nº 18 do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS) veda o indeferimento de benefício com base na falta de recolhimento quando a obrigação é do empregador.

  1. O CNIS como Ferramenta, Não como Prova Absoluta

O INSS frequentemente trata o CNIS como um registro absoluto da vida contributiva do segurado. Embora seja uma ferramenta de gestão crucial, o CNIS não é infalível e não detém presunção absoluta de veracidade. Ele pode e deve ser corrigido, complementado ou retificado por outros meios de prova admitidos em direito, sendo a CTPS o principal deles.

A realidade demonstra que falhas sistêmicas, omissões de empregadores e a própria evolução dos sistemas de informação criaram um banco de dados que, embora valioso, pode conter inúmeras imprecisões. Condicionar o direito do segurado unicamente aos registros do CNIS seria ignorar essa realidade e criar um obstáculo intransponível e injusto ao seu direito fundamental à previdência social.

Conclusão

A negativa de um benefício previdenciário com base em lacunas no CNIS, quando o segurado apresenta uma CTPS com anotações regulares, representa uma clara violação de seus direitos. A responsabilidade pelo recolhimento é do empregador, e a prova do vínculo laboral é solidamente estabelecida pela Carteira de Trabalho.

Advogados e segurados devem, portanto, estar munidos desse entendimento para contestar decisões administrativas infundadas. O primeiro passo é o recurso administrativo, fundamentado na legislação e nos enunciados do CRPS. Caso a resistência do INSS persista, a via judicial se mostra altamente eficaz, com uma jurisprudência consolidada que privilegia a proteção do trabalhador e a verdade material dos fatos em detrimento de falhas burocráticas ou da negligência de terceiros.